Ex-presidente da Assembleia Legislativa do Pará (Alepa) e reeleito à prefeitura da segunda maior cidade do estado, com mais de 83% dos votos válidos, o médico Daniel Barbosa Santos (PSB) é alvo de uma investigação do Ministério Público Estadual que aponta supostos desvios de R$ 261 milhões no Hospital Santa Maria de Ananindeua (HSMA) — do qual ele já foi sócio.
Um relatório elaborado pelos promotores do Grupo de Atuação Especializado no Combate ao Crime Organizado (Gaeco) indica, por exemplo, que o hospital pagou R$ 18,10 na compra de agulhas descartáveis cujo valor de tabela não passa de R$ 0,35 por unidade.
As supostas fraudes detectadas pelos investigadores não se limitam aos preços dos materiais, mas também às quantidades. Em uma única internação de quatro dias, o relatório sustenta que foram faturados 68 equipos macrogotas — usados para a administração de soluções intravenosas — para um paciente.
Para efeito de comparação, o MP cita parecer do Conselho Regional de Enfermagem do Pará que recomenda troca do material apenas a cada 24 horas. Para essa internação, deveriam ter sido utilizadas apenas quatro unidades.
Um processo contra o prefeito corre em segredo de Justiça e teve sua íntegra obtida com exclusividade pela CNN.
À reportagem, ele rechaçou a acusação do MP, que chamou de “completamente descabida”, e se disse vítima de “prática persecutória” no estado.
Segundo o Gaeco, as fraudes e os desvios ocorreram entre 2018 e 2022, quando Dr. Daniel — nome de Barbosa nas urnas — ainda era sócio do hospital.
Nesses anos, o lucro líquido do Santa Maria aumentou 838%, saltando de R$ 3 milhões para R$ 108,5 milhões, conforme o MP.
O prefeito deixou a sociedade em 2022. Mesmo assim, teria continuado no controle financeiro do hospital, segundo depoimento de uma ex-diretora do Instituto de Assistência ao Servidor Público do Estado do Pará (Iasep), autarquia que garante assistência médica aos servidores estaduais e seus dependentes.
No interrogatório de 20 minutos, também obtido pela CNN, a ex-gestora Josynelia Tavares Raiol disse aos promotores que Dr. Daniel foi ao instituto, assim que ela assumiu o cargo, para se apresentar e tratar de “assuntos de pagamentos”.
De acordo com Josynelia, o político se apresentou como dono do hospital, que recebe parte do orçamento de verba pública e outra parte de compensação do Iasep. “Sempre que tinha problema, era ele quem resolvia”, declarou a ex-gestora ao Ministério Público.
Ela contou também que, desde sua entrada na direção do instituto, percebeu valores superfaturados e faturas muito altas comparadas com os outros hospitais da região.
Desvios em seringas e bombas
O relatório do MP também aponta o uso de quantidade “descomunal” de equipamentos pelo HSMA — desde materiais mais simples, como seringas, até bombas de infusão em leitos de UTI.
O esquema investigado pelo MP consistia no suposto desvio de verbas do Iasep, plano de saúde dos servidores do estado e seus dependentes, para o hospital em Ananindeua.
Uma denúncia anônima apontou que as fraudes em pagamentos teriam começado em 2019 e se prolongado até 2023, quando quatro servidores responsáveis pelo sistema de fiscalização do Iasep foram demitidos.
A investigação contra o prefeito, uma das estrelas em ascensão na política paraense e pré-candidato declarado ao governo do estado em 2026, teve início em maio de 2024.
Conforme decisão do Tribunal de Justiça do Pará, o Ministério Público sustenta que há “indícios de envolvimento” de Dr. Daniel.
“Trata-se de pessoa sobre a qual paira fundada suspeita de associação aos demais investigados — identificados como figuras diretamente operantes no esquema fraudulento, em hierarquia cuja topografia indica o Prefeito de Ananindeua/PA como pessoa supostamente determinante para o sucesso dos empreendimentos ilícitos”, diz a decisão, que autorizou a abertura de procedimento investigatório criminal.
No mês passado, a defesa de Dr. Daniel pediu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) a suspensão e o trancamento do processo com o argumento que o prefeito foi citado “apenas por uma testemunha”.
O ministro Sebastião Reis Júnior, relator do caso, rejeitou o pedido e mandou que a investigação tenha continuidade.
“No presente caso, há indícios da prática criminosa e aparente justa causa para o procedimento investigatório instaurado”, sustentou.
Para o ministro do STJ, “resta evidente que o procedimento investigatório criminal não foi instaurado exclusivamente com base em um único depoimento, havendo indícios de superfaturamento de preços cobrados por prestadores, e investigação pormenorizada de dados entre diferentes hospitais atendidos pelo IASEP, demonstrando vestígios de materialidade delitiva na administração das contas do Hospital”.
Com base nessa investigação e no depoimento da ex-diretora da autarquia, o relatório do Gaeco diz ter indícios de envolvimento do prefeito como autodeclarado “dono” do hospital, cuja administração se encontra sob investigação.
Outro lado
Em nota à CNN, a prefeitura de Ananindeua rechaçou a conclusão do Ministério Público.
“É completamente descabida e ausente de provas a tentativa de associação, produzida pelas instituições estaduais, dos supostos fatos ao prefeito”, afirma a nota.
“O depoimento mencionado [de Josynelia] é antigo e já foi noticiado localmente no bojo da prática persecutória da imprensa no estado, em que governantes, instrumentalizando seu aparato midiático e institucional, se acham reis e donos do Pará”, continua a manifestação de Dr. Daniel, por meio de sua assessoria.
“O prefeito reafirma estar à disposição da Justiça, pedindo celeridade na apuração dos fatos, principal intenção dos recursos interpostos.”
Este conteúdo foi originalmente publicado em PA: Hospital investigado tem agulha a R$ 18 e uso “descomunal” de materiais no site CNN Brasil.