A comunidade acadêmica da Universidade de Brasília (UnB) se mostra apreensiva com o retorno do youtuber Wilker Leão às aulas de história, curso do qual ele é estudante. Suspenso de duas disciplinas em dezembro último, Wilker está liberado para se rematricular e já assegurou vaga em pelo menos três matérias, incluindo História do Brasil 1 e História da África, das quais foi afastado no ano passado.
Entenda o caso
- Wilker Leão é um youtuber de direita que ganhou notoriedade 2022, quando se envolveu em confusão com o ex-presidente Jair Bolsonaro em frente ao Palácio da Alvorada.
- As confusões causadas por Wilker na UnB começaram em agosto de 2024, quando uma professora registrou boletim de ocorrência acusando o influenciador de gravar as aulas e postar trechos fora de contexto.
- No mês seguinte, o youtuber foi acusado de vazar dados pessoais de colegas da universidade e de incentivar seus seguidores a praticarem invasões e agressões contra os estudantes.
- Até que, em dezembro, a reitora da UnB, Rozana Naves, decidiu suspender Wilker Leão das aulas de História do Brasil 1 e História da África por 60 dias, considerando as gravações do youtuber que geravam “prejuízo ao regular andamento de disciplinas”.
- Após a notícia da suspensão, Wilker usou suas redes sociais para dizer que estaria sendo perseguido. “[O processo] foi feito sem sequer me dar direito ao contraditório e ampla defesa”, reclamou.
- Hoje, Wilker Leão tem 905 mil inscritos em seu canal no YouTube. O padrão de gravar seu rosto durante as aulas segue nos vídeos mais recentes, mesmo em período de férias acadêmicas.
“É um incidente muito grave o ocorrido no segundo semestre de 2024 [a exposição das aulas por parte de Wilker], sobretudo em relação à universidade enquanto instituição, tão importante para garantir o direito de ensinar e de aprender, mesmo em tempos difíceis”, afirma um professor.
O docente, cujo nome será preservado, tem a sensação de que ainda não há mecanismos institucionais que permitam, “seja pelo diálogo, seja pela tomada de medidas mais concretas”, evitar a atuação de criadores de conteúdo como Wilker Leão.
O youtuber também se matriculou na disciplina Pensamento LGBT Brasileiro. Trata-se de uma matéria de módulo livre, ofertada pelo Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares (CEAM) da UnB. A informação chegou aos alunos, que temem que o criador de conteúdo tenha se matriculado apenas para causar desordem durante as aulas.
Uma aluna do serviço social que já cursou Pensamento LGBT Brasileiro está certo de que Wilker quer “fazer chacota” das pautas LGBTQIAP+. “Ele se manifesta de uma maneira que mais parece uma tentativa de zombar do conteúdo e do esforço acadêmico de uma comunidade que já sofre com diversas dificuldades”, comenta a jovem, que solicita condição de anonimato.
Um estudante de história, que também não quer ser identificado, acredita que o modus operandi de Wilker é “atacar” as universidades públicas. “Ele sabe que a UnB é um obstáculo à sua agenda e por isso tenta atacá-la, já que a universidade é um espaço de debate livre e da construção de uma sociedade mais justa”, afirma o jovem.
O Coletivo Kizomba considera “extremamente preocupante” o retorno do youtuber às aulas. “No último semestre, ele comprometeu o ambiente acadêmico ao filmar aulas sem consentimento, expondo sem autorização a comunidade e nos colocando em risco. Isso gerou desconforto e insegurança para todos”, afirma o grupo.
A presença de Wilker “ameaça o andamento das disciplinas, o convívio no ambiente acadêmico e prejudica a UnB”, na visão do coletivo, que milita em defesa da população periférica, preta, LGBTQIAP+, entre outras. “Sentimos a necessidade de medidas institucionais mais rígidas para proteger estudantes, docentes e servidores desse tipo de exposição desnecessária”, conclui.
Dois cenários
O assistente social e sociólogo Lucas Brito é um dos professores da disciplina Pensamento LGBT Brasileiro. Para Lucas, dois possíveis cenários se criam a partir da matrícula de Wilker Leão nesta matéria: um convívio divergente, mas respeitoso, ou a incitação da desordem para a criação de conteúdo e consequente monetização [conversão da audiência em lucro financeiro] por parte do influencer.
“A universidade é plural e, na nossa sala de aula, cabem todas as formas de pensamento. Ter alunos de direita, esquerda, centro, que se posicionem das mais diferentes maneiras sobre política e sociedade, enriquece nossos debates e não impede, de forma alguma, a discussão dos nossos objetos de pesquisa”, comenta. Esse é um dos cenários, na visão do professor.
“A outra questão é que nos parece que a presença dele em sala de aula está mais orientada para a produção de conteúdo para as redes sociais e uma possível monetização, com base em uma estratégia de desmoralização da universidade pública”, alerta Brito.
“Em um de seus vídeos, Wilker diz que ele se matriculou em história por ser ‘um curso esquerdista’, e que fez isso para mostrar o que acontece dentro da sala de aula. Ou seja, ele verbaliza que o interesse dele na universidade pública não é em se formar, estudar, participar da vida acadêmica, mas sim produzir materiais de desmoralização da universidade”, prossegue o professor, apontando para um possível conflito de interesses entre o influencer e a UnB.
Lucas finaliza afirmando que, em caso de práticas LGBTfóbicas por parte de Wilker, o Núcleo de Estudos Sobre Diversidade Sexual e de Gênero (Nedig/Ceam) vai agir de modo a repreendê-lo. “Nós não vamos tolerar LGBTfobia em hipótese alguma. Isso é crime. Se ele incorrer em um crime em sala de aula, nós vamos ter que acionar as autoridades competentes”, encerra.
Nesta quarta-feira (19/3), o Nedig fará uma reunião de articulação para debater o ataque à comunidade LGBTQIAP+ em universidades e citará a matrícula de Wilker Leão. O encontro será on-line. Para participar, basta acessar as redes sociais.
Respostas
Em nota, a Universidade de Brasília afirmou que o processo disciplinar discente que culminou no afastamento de Wilker Leão está em andamento. “A UnB destaca que a gravação e divulgação de conteúdos das aulas sem autorização do professor não são permitidas, podendo configurar violação de direitos autorais”, conclui a instituição.
A Associação dos Docentes da UnB – Seção Sindical do Andes-SN (ADUnB-S.Sind) afirmou que “acompanha atentamente” os temas envolvendo Wilker Leão e “oferece suporte aos docentes afetados pela ação deliberada do estudante”.
“O sindicato reforça ainda que repudia toda e qualquer forma de violência contra docentes dentro e fora de sala de aula e considera também que a liberdade de cátedra é um direito irrevogável da categoria docente”.
O Diretório Central dos Estudantes (DCE) foi consultado para opinar, e o espaço também está aberto ao grupo de discentes.
O youtuber Wilker Leão foi contatado por e-mail e, até a última atualização desta reportagem, não havia retornado a mensagem. O espaço está aberto para manifestações.