Além de um contrato milionário firmado com a Sociedade de Transportes Coletivos de Brasília (TCB) – estipulado em R$ 17 milhões, 41,16% a mais que a quantia inicial – R$ 11.991.845, empresas pertencentes à família do empresário Ronaldo de Oliveira, acusado de integrar um esquema de lavagem de dinheiro, receberam, indevidamente, do mesmo órgão público, valor superior a R$ 2 milhões, segundo um levantamento feito pelo Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF).
De acordo com o documento, ao qual o Metrópoles teve acesso, entre 2021 e 2022, a Oliveira Transportes, a Rodoeste Transporte e Turismo Eireli e a Izabely Transportes e Comércio de Alimentos Eireli, todas registradas em nome de familiares de Ronaldo, descumpriram cláusula que veda o uso de veículos com data de fabricação acima de sete anos e receberam indevidamente valores referentes à taxa de depreciação, quando, na verdade, não teriam direito a esses valores por ultrapassarem a idade máxima permitida.
Ronaldo de Oliveira, a esposa dele Soraya Gomes da Cunha, 39, dois filhos do casal, uma nora e uma irmão de Ronaldo foram presos no âmbito da Operação Old West, da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF). Segundo as investigações, a família é acusada de integrar um esquema criminoso que usava um batalhão formado por, ao menos, 15 laranjas e testas de ferro para lavar dinheiro.
Os acordos firmados entre as empresas dos investigados e a TCB têm como objetivo a contratação de coletivos para transporte de alunos que residem em localidades urbanas ou rurais onde não há transporte público.
Conforme relatado pelo TCDF, além de admitir o uso de ônibus antigos no início do contrato, a TCB manteve indevidamente a taxa de depreciação da frota dessas empresas em 8,57%, percentagem definida para veículos com 4 anos de idade.
A depreciação, que só deve ser paga no caso de veículos novos, corresponde a uma média de 12% da composição do custo do quilômetro rodado, sendo esse pagamento item de maior representatividade no valor repassado às essas prestadoras de serviço.
Além das empresas vinculadas a Ronaldo de Oliveira, o TCDF identificou repasses indevidos a outras companhias vencedoras de licitações com a TCB. Segundo o órgão do legislativo, os pagamentos geraram prejuízo superior a R$ 10 milhões aos cofres públicos. Apesar disso, os danos ao erário podem ser ainda maiores, uma vez que dos 642 veículos empregados à época, nos 24 contratos, foram disponibilizados os CRLVs de apenas 452.
Contrato alterado após prisão
Seis dias após ter sido detida pela primeira vez no âmbito da Operação Old West, Soraya Gomes da Cunha, esposa de Ronaldo, teve contrato milionário alterado com a Sociedade de Transportes Coletivos de Brasília (TCB). Com o ato, publicado no Diário Oficial do Distrito Federal em 26 de dezembro de 2023, a empresa Oliveira Transportes e Turismo Ltda. pertencente a Soraya, passou a faturar valor total superior a R$ 17 milhões, 41,16% a mais que a quantia inicial – R$ 11.991.845.
Conforme consta no Portal da Transparência do DF, outras duas empresas pertencentes à quadrilha também ganharam licitações com a TCB: a Rodoeste Transporte e Turismo Eireli e a Izabely Transportes e Comércio de Alimentos Eireli. Na primeira, os investigados faturaram mais de R$ 25 milhões. Na segunda, cerca de R$ 504.614,88.
Fraude em sistema de bilhetagem
O Metrópoles apurou que a organização criminosa mantém contratos com o governo desde, pelo menos, 2018. No ano, inclusive, o Tribunal de Contas do DF (TCDF) determinou a anulação de um dos procedimentos licitatórios no qual a empresa Rodoeste Transporte fez parte, por suspeita de fraude.
Apesar da ação do órgão de controle, mandados de segurança impetrados pelos advogados dos empresários devolveram a gestão e execução dos contratos.
À época, a PCDF também deflagrava a Operação Trickster para apurar um esquema criminoso no qual R$ 1 bilhão teria sido desviado por meio de fraudes no sistema de bilhetagem eletrônica do extinto Transporte Urbano do DF (DFTrans).
As apurações resultaram na prisão preventiva de Soraya e de Ronaldo. A mulher, como tinha filho menor, fez acordo com a Justiça e passou um período usando tornozeleira eletrônica. O homem, por sua vez, fugiu.
Durante o período, a dupla não perdeu os contratos milionários que tinha com a TCB. A reportagem do Metrópoles confirmou que as empresas do casal permaneceram operando, mesmo sem a presença dos empresários. Várias garagens onde ônibus estavam estacionados eram vigiadas por funcionários e seguranças.
O esquema criminoso
Após ser alvo da Operação Trickster, Ronaldo de Oliveira desenvolveu um sistema sofisticado para lavar dinheiro, especificamente mais de R$ 31 milhões. Para isso, o empresário apontado como “dono de Brazlândia” usou um supermercado e contas de poupança em nome de testas de ferro para lavar centenas de milhares de reais. Até mesmo filhos menores de idade de Ronaldo de Oliveira foram aproveitados no esquema, segundo a polícia.
O empresário teria usado, ainda, um empreendimento para ocultar a propriedade e dissimular valores faturados por meio do estelionato contra a administração pública e da corrupção de agentes públicos.
O bando, inclusive, teria conseguido cooptar um analista do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) que recebia várias transferências bancárias para “cuidar” dos processos do empresário e advogar em defesa dos interesses da organização criminosa.
O servidor consultava processos e repassava informações sigilosas, segundo as investigações.
“Laranjas”
Antes da Operação Trickster, o bando comandado por Ronaldo de Oliveira mantinha recursos financeiros nas contas de empresas geridas pelo grupo. Após a ação da PCDF, o caminho do dinheiro mudou e passou a “fazer curvas” para driblar as autoridades.
O fluxo do dinheiro começa com o recebimento dos pagamentos nas contas empresariais, segundo as investigações, mas os valores são imediatamente lançados nas contas-poupanças do grupo, via depósitos e transferências, muitas vezes na boca do caixa.
Em seguida, ocorrem retiradas diárias de valores das contas-poupanças abertas em nome dos filhos de Ronaldo e Soraya, para repasse às contas das empresas, tudo a fim de evitar bloqueios judiciais. Algumas delas chegaram a receber depósitos superiores a R$ 1 milhão, segundo a PCDF.
Propina
Em abril de 2018, a polícia pediu a prisão de Ronaldo e da companheira dele, Soraya. A Justiça atendeu à solicitação após os investigadores terem confirmado que o casal pagava propina para o então responsável pela unidade de controle de bilhetagem automática do DFTrans, Harumy Tomonori. O gestor foi detido em 23 de março de 2018, em mais um desdobramento da Operação Trickster.
Em depoimento, Harumy confessou que, mensalmente, recebia entre R$ 10 mil e R$ 15 mil, a fim de agilizar processos, pagamentos e fazer vista grossa diante de irregularidades e fraudes cometidas pelas empresas de Ronaldo e Soraya.
Entre as falcatruas, estava o fato de as empresas descarregarem cartões estudantis de alunos do Entorno como se fossem da rede pública de ensino do DF. Imagens flagraram Harumy deixando uma das empresas do casal com dinheiro pago como propina. À época, durante o cumprimento dos mandados de busca e apreensão, os policiais encontraram um envelope semelhante na casa de Harumy, com cerca de R$ 12 mil.
Defesa
A reportagem entrou em contato com a defesa dos envolvidos, mas não obteve retorno até a última atualização deste post. O espaço permanece aberto para eventuais manifestações.